Coma

 

Mundo das memórias concretas

 

Nos últimos anos, a indústria cinematográfica tem produzido muitos filmes de ficção-científica, mas na maioria das vezes parece ter caído em um padrão de mesmice. Por isso tem sido uma agradável surpresa encontrar filmes russos do gênero muito criativos e até surpreendentes. É o caso de “Coma” (“Koma”,RUS,2019).

Um jovem (Rinal Mukhametov) acorda em seu apartamento sem saber o que lhe aconteceu e nem mesmo o próprio nome. Mais estranho ainda é o fato de que tudo parece incompleto, cheio de buracos, até mesmo as fotos nos porta-retratos.

Quando ele sai à rua, a surpresa é maior ainda. Além de prédios e ruas estarem incompletos, faltando partes, a paisagem ao seu redor é a mais absurda possível. Partes de monumentos famosos, como a Golden Gate de São Francisco, ou a torre Eiffel de Paris aparecem no céu em posições incongruentes e ilógicas.

De repente ele é abordado por um grupo de jovens que dizem ter vindo resgatá-lo. Ao mesmo tempo, uma criatura disforme e ameaçadora os persegue, enquanto eles pulam de uma vizinhança a outra, em situações que desafiam qualquer conceito de gravidade ou normalidade. Essa criatura é um Ceifador, alguém que morreu no coma e é mantido por máquinas. Os Ceifadores parecem ser a versão russa dos Dementadores de Harry Potter, e como eles, se alimentam das mentes dos que estão vivos.

Ao chegar em sua base segura, o jovem conhece seus salvadores. Mosca (Lyubov Aksyonova), Fantasma (Anton Pampushnyy) e Astronomo (Milos Bikovic) o apresentam ao líder Yan (Konstantin Lavronenko). Ele descobre então que aquele estranho mundo onde estão é onde perambulam as mentes das pessoas que estão em coma profundo e tudo o que ele vê são memórias delas.

Forçado a encontrar o seu lugar no grupo, o jovem descobre ter o poder de construir estruturas, e por isso recebe o apelido de Arquiteto. Ao mesmo tempo em que procura contribuir com o grupo, o Arquiteto procura entender as leis que ordenam aquele universo enquanto busca uma saída para voltar à sua vida normal.

O Arquiteto sente uma poderosa afinidade com Mosca e suspeita que os dois se conhecem fora do Coma, sem que tenham lembrança disso. Quando o grupo procura um lugar seguro, a salvo dos Ceifadores, caem numa armadilha, e todos ficam a mercê destes seres grotescos.

Neste momento, o Arquiteto volta à realidade, e descobre que esta é muito mais cruel e estranha do que o mundo de Coma. Ele descobre que graças à mente pérfida de um homem, as pessoas são induzidas ao coma com um objetivo escuso, de alguém que quer criar um universo para si próprio.

“Coma” prova que mesmo em um gênero tão explorado ainda é possível trazer ideias originais e criativas. Além de uma boa história, o filme traz um conjunto de efeitos gráficos de uma qualidade excepcional, equivalente a qualquer produção de Hollywood. Uma das razões talvez seja o fato do diretor Nikita Argunov, em sua estreia na direção, ser oriundo desta área.

O elenco também tem ótimas atuações, notadamente o jovem ator Rinal Mukhametov, que também protagonizou os filmes “Atração” (“Prityazhenie”,RUS,2017) e “Invasão” (“Vtorzhenie”,RUS,2020), já comentados nesta coluna.

 Um aspecto adicional, que poderíamos elucubrar, é sobre a diferença entre a imagem que temos de alguém, e a que ela faz internamente de si mesma. Como o filme mostra, quando vemos um mutilado de guerra, um autista e uma viciada em drogas, não imaginamos que no íntimo aquela pessoa acredita ser alguém especial, muitas vezes aprisionada em um estado de coma social.