O Voo das Cegonhas

 

Voo sombrio

 

Ao longo de minha vida de cinéfilo e leitor, sempre fico apreensivo quando vou ver alguma adaptação cinematográfica de um livro que gostei. Embora sejam linguagens diferentes, dificilmente de um livro ruim sairá um filme bom. O inverso tem maior probabilidade de acontecer, embora já tenha visto péssimas adaptações de livros importantes. Por isso, foi uma agradável surpresa assistir “O Voo das Cegonhas” (“Flight of the Storks”, FRA,2013).

Alguns meses atrás, quando li o livro “O Voo das cegonhas” (“Le vol dês cigognes”), romance de estreia do escritor francês Jean-Christophe Grangé, fiquei impressionado com a densidade do enredo e riqueza de detalhes da obra. Enquanto lia, já imaginava como seria um filme baseado nesta obra. Pesquisando um pouco mais, descobri que o seu segundo romance “Rios vermelhos” (“Les rivières pourpres”) também tinha sido adaptado para o cinema em 2000, com Jean Reno e Vincent Cassel.

Imaginem então a minha surpresa ao deparar com “O Voo das Cegonhas” enquanto zapeava os filmes do Amazon Prime. A história mostrada no filme foi bastante fiel ao livro, embora eu tivesse notado algumas simplificações e ausências. Claro que isso se deve ao próprio processo de adaptação da linguagem literária para a cinematográfica. Posteriormente, descobri que o filme originalmente fora feito no formato de minissérie com dois episódios, com duração total de três horas e meia, sendo condensado para um compacto de duas horas e cinco minutos.

 Jonathan Anselme (Harry Treadway), um jovem pesquisador inglês, é contratado por Max Bohm (Danny Keogh) para fazer um trabalho muito especial. Max era amigo da família de Jonathan, e desenvolvia uma atividade de ornitólogo amador com especial atenção para as cegonhas. Estas aves cumprem um ciclo migratório percorrendo um longo trajeto entre a África do Sul e Suíça, com algumas paradas estratégicas no caminho.

Ao contratar o jovem, Max relatou que estava preocupado com a diminuição de um certo grupo de aves que já vinha acompanhando há anos. Já conhecendo os locais onde as aves paravam para descansar, ele havia contratado pessoas para observa-las e relatar algum fato inusitado. Apesar de não ser um profissional da área, Jonathan achou interessante o trabalho, principalmente partindo de Max, com quem mantinha boas relações.

O problema é que, quando o jovem chega à casa de Max, este está morto, dentro de um dos vários ninhos de cegonha da propriedade. A polícia constata que a causa da morte foi natural, decorrente de problemas cardíacos e libera Jonathan, que decide cumprir a missão solicitada pelo amigo.

Enquanto ele segue viagem para a Bulgária, para o ponto de parada das cegonhas, o inspetor suíço Hervé Dumaz (Clemens Schick) investiga o passado nebuloso de Max, descobrindo que este fora militar e estivera a serviço da ONU na República Democrática do Congo. Após voltar dessa missão, vivia uma vida reclusa e apesar de não ostentar, havia feito doações milionárias para a instituição humanitária Médicos do Mundo.

A viagem de Jonathan, por sua vez, começa com atribulações. Recebido em Sofia por um animado búlgaro, ele descobre que o jovem cigano que observava as cegonhas fora encontrado morto, com o coração retirado cirurgicamente. Quando eles vão no acampamento cigano onde o jovem morava, um assassino mata o guia e o médico com o qual Jonathan procurava informações. Embora nunca tivesse lutado antes, o jovem é obrigado a matar o assassino para salvar sua vida.

Jonathan segue viagem, querendo se livrar daquele pesadelo, e vai para Israel, onde descobre que o observador local também fora assassinado. Ele conhece Sarah Gabbor (Perdita Weeks), irmã do morto, e suas informações levam a jovem a querer saber mais sobre a morte do irmão.

O assassino continua na cola de Jonathan, que se livra por pouco da morte, e fica cada vez mais intrigado e determinado a descobrir qual o mistério que liga as cegonhas com todas essas mortes – além da ameaça à sua própria vida. As respostas serão encontradas no Congo, onde ele vivera até os seis anos, quando toda a sua família fora morta em um incêndio até então pouco esclarecido.

A trama é complexa e o espectador precisa ficar atento para acompanhar os detalhes e entender toda a história. Certamente a minissérie completa facilitaria melhor o entendimento, mas a edição em filme é bem feita, permitindo acompanhar toda a odisseia do protagonista, bem como as histórias paralelas.

Um aspecto interessante, que nos leva o espectador a identificar-se com o protagonista é que o personagem não é o herói tradicional, mestre de artes marciais e exímio atirador. Pelo contrário, é um estudioso tímido e confuso, que não tem ideia da confusão em que está metido, embora cresça na determinação em descobrir a verdade por trás dos fatos.

Curiosamente, apesar de ser baseado num livro francês e ser produzido por empresas europeias, o filme é falado em inglês, com um elenco multinacional. O casal central, Harry Treadway e Perdita Weeks voltariam a trabalhar juntos na série Penny Dreadful. Quem faz uma ponta importante é Rutger Hauer, o eterno androide de Blade Runner.

Eu sempre gosto de recomendar para as pessoas um filme ou um livro que gostei, e este é o caso de “O Voo das Cegonhas”. Atendendo aos que sempre perguntam onde achar as minhas recomendações, este filme está disponível no Amazon Prime com áudio original e legendas em português. E para os que ficaram interessados na minissérie, é possível comprar o Box com Blu-Ray duplo nas lojas online.