O cinema do fim do mundo

É possível que alguns leitores, ao verem o título deste artigo, imaginem alguma conexão com o livro “O restaurante do fim do universo” de Douglas Adams, da saga “O mochileiro das galáxias”. Talvez sim, já veremos adiante. Mas, a ideia é discutir sobre filmes que tem como tema o fim do mundo. Afinal, numa época de pandemia, pode haver tema mais presente?

A ideia de fim do mundo não é nova, principalmente na cultura ocidental. Afinal de contas, o livro do Apocalipse há dois mil anos já trazia esta ideia. Mais que isso, o fim do mundo sempre serviu como forma de intimidação para manter os fiéis longe do pecado.

A popularização da literatura, principalmente a partir do século 19, trouxe ao público as primeiras obras sobre o tema. Um destaque é o livro “O último homem” (“The last man, 1826) da notável escritora Mary Shelley, a criadora de Frankenstein.

Outros autores se aventuraram sobre o tema, em geral escritores de ficção científica, como o criador de Sherlock Holmes, Sir Arthur Conan-Doyle, em “O veneno cósmico”, de 1928, ou “A guerra dos mundos”, de H. G. Wells em 1898. De lá para cá, muitos outros os seguiram, principalmente após a explosão da primeira bomba atômica, onde a ideia da devastação nuclear e a chegada da Guerra Fria tornavam essa ideia mais real.

O advento do cinema tornou o tema ainda mais popular, traduzido em imagens e sons que mexiam com a imaginação dos espectadores. Nas primeiras décadas do século 20 chegaram às telas o filme dinamarquês “Verdens Undergang”, de 1916, o francês “La fin du monde”, de 1931, e o americano “When Worlds Collide”, de 1951, todos com o mesmo título em português, “O Fim do Mundo”.

E qual será a razão por esse fascínio com o fim do mundo? Qualquer ser humano já experimentou a sensação da fantasia em relação a alguma coisa. Pode ser uma pessoa amada, algum objeto de desejo, ou simplesmente o pensamento “e se?…”. Quantas vezes a chega em um lugar alto e dá uma olhadinha para baixo só pra sentir aquele friozinho na barriga?

Esse misto de morbidez e encantamento já inspirou muitos filmes, além dos citados acima. Para se ter ideia, somente no site IMDB podem ser encontradas 942 referências a títulos que tem como tema o fim do mundo ou apocalipse.

Isso leva a outro ponto de vista interessante, que me traz recordações do tempo do curso de Jornalismo. São as diferentes abordagens sobre o tema, agrupadas grosseiramente como distópicas ou pós-apocalípticas.

Distopia é o oposto de utopia, a sociedade perfeita onde todos são felizes. Seria aquela situação de fim do mundo, onde as pessoas lutam para sobreviver. Uma utopia não serve para filme, a não ser quando é para mostrar que tem algo podre vai ser revelado. Um exemplo seria “Fuga do Século 23” (“Logan’s Run”, EUA, 1976), uma sociedade perfeita onde todos são jovens, mas que revela a execução de pessoas acima de 30 anos. Outros exemplos recentes seriam “Divergente” (“Divergent”, EUA, 2014), “Jogos Vorazes” (“The Hunger Games”, EUA, 2012), e “O Guerreiro do Futuro” (“The Ultimate Warrior”, EUA, 1975).

Filmes pós-apocalípticos são os que, como o nome o diz, mostram a situação de uma sociedade após um evento apocalíptico. Alguns exemplos clássicos seriam “A Última Esperança da Terra” (“The Omega Man”, EUA, 1971), “O Planeta dos Macacos” (“Planet of the Apes”, EUA, 1968), e “Mad Max” (“Mad Max”, AUS, 1979).

Obviamente, a lista é enorme, ainda mais se contarmos um grande número de produções menores lançadas na década de 1980, reunindo uma locação deserta, meia dúzia de atores desconhecidos e uma história meia-boca. E se juntarmos os inúmeros animes japoneses sobre o tema, a relação torna-se infindável.

O mais curioso é que não existe uma fronteira clara entre esses temas, e aquela sociedade perfeita pós-apocalíptica pode virar uma distopia quando os esqueletos saem do armário. Afinal de contas, precisa ter alguma emoção na história, não é?

E falando em emoção, que dizer de nossa situação atual? A Humanidade já havia passado por epidemias, pestes, guerras e outros percalços, mas nunca uma situação que afetasse a todos ao mesmo tempo. Talvez por isso essa reação tardia e negacionista de tantos governantes, organismos e até pessoas comuns.

Embora a Vida pareça estar imitando a Arte – quando deveria ser o contrário – o que vemos é uma imitação ruim. Em quase todos os filmes e livros vemos os humanos se safarem das situações pós-apocalípticas graças à união e à solidariedade. Mas, o que parece estar imperando mesmo é a ganância das corporações e o egoísmo dos homens.

Estou curioso para ver a primeira produção baseada na atual crise. Será que vai contar a história dos abnegados cientistas que pesquisam a vacina, ou vai sair na esteira das fake News, sobre a criação do vírus em laboratório, a recusa da milagrosa cloroquina, ou, o mais importante, que tudo isso não foi mais do que uma armação para prejudicar o amado presidente de uma república de bananas? Quem viver, verá.