Filme recomendado: “Os Cinco Sentidos”

 

 

Erros dos cinco erres

 

Quem tem o cinema como hobby sabe bem que, além dos blockbusters e um sem-número de filmes comerciais, existem aqueles filmes herméticos, de difícil aceitação para o público em geral, mas que volta-e-meia conseguem algumas premiações importantes. São filmes como o iraniano “Gosto de cereja”, ou o francês “Sob o sol de Satã”, e até mesmo produções como “Apocalipse Now”, “sexo, mentiras e videotapes”, e “Pulp Fiction – Tempos de Violência”. Um filme que certamente pode ser acrescentado a esta lista é o canadense “Os Cinco Sentidos” (“The Five Senses”,CAN,1999).

Fugindo da apresentação tradicional, “Os Cinco Sentidos” não se resume a uma única história, mas seis, num entrelaçado de vidas durante um período de três dias. O que serve de ligação entre todos é o desaparecimento de uma garotinha de três anos, perdida durante um passeio no parque. Os outros personagens têm suas personalidades e expressões associadas aos sentidos – daí o título.

Rachel (Nadia Litz), uma adolescente introvertida, sente-se culpada pela morte do pai. É a única personagem que usa óculos, e que assume o papel de observadora do mundo, embora viva à parte dele. Por ter deixado de olhar a garotinha, Rachel é considerada responsável por sua perda. Em compensação, consegue perceber em um novo amigo sentimentos e emoções que nem mesmo ele percebia.

Ruth (Gabrielle Rose), a mãe de Rachel, é massagista profissional, e ganha a vida aliviando as dores dos outros, com o toque experiente de suas mãos. Apesar deste talento, após a morte do marido não consegue tocar ou ser tocada por ninguém. Até mesmo a filha é mantida à distância, numa relação fria e formal. Quando é obrigada a manter um contato estreito com a mãe da garotinha perdida, Ruth é forçada a tocar o mundo real.

Richard (Philippe Volter), o oftalmologista que trabalha vizinho a Ruth, está perdendo a audição, e faz uma lista dos sons que quer preservar na memória. Sons como a chuva, a música, uma simples conversa, a voz da filha distante, etc.. É através de uma prostituta, cuja filha é surda de nascença, que ele percebe que existe mais de uma forma de se escutar as coisas.

Robert (Daniel MacIvor), é um faxineiro que adora o seu trabalho. Nos últimos tempos, encontra-se com todos os ex-amantes, homens e mulheres, para comprovar a sua teoria de que o amor proporciona um cheiro especial. Decepcionado por não encontrar o cheiro que procura entre eles, descobre ser amado por outras pessoas.

Por fim, Rona (Mary Louise-Parker), a doceira que faz belíssimos bolos e doces mas não se importa com o sabor que tenham. Apesar do paladar aguçado, ela acha que só o aspecto externo é suficiente para atender as pessoas, assim como nas suas próprias relações, que nunca vão além do superficial. Quando Roberto, um chef italiano que conhecera na Europa, ressurge na sua vida, Rona deixa-se envolver por emoções que sempre controlara. Para complicar, sua mãe é doente terminal de câncer, o que lhe causa um sentimento de culpa pela distância que mantém em relação à mesma.

Os principais personagens – todos com nomes iniciados em “r” – são contidos e introvertidos, cheios de problemas, e presos em seus próprios mundos. O elo entre todos é a garotinha Amy, que fez parte da vida de cada um, de alguma forma, até pela lembrança que inspira. O elenco é multinacional: Mary Louise-Parker é americana, Gabrielle Rose, Nadia Litz, Molly Parker e Daniel MacIvor são canadenses, Philippe Volter é francês e Marco Leonardi é australiano. Todos são atores experientes e conseguem dar aos seus personagens a carga emocional necessária.

Este filme, infelizmente, nunca foi lançado em BluRay. No início dos anos 2000, foi lançada uma edição em DVD com formato de tela Full Screen, áudio em inglês e português 2.0, e legendas em português e inglês. Como Extras, umas poucas notas sobre elenco, sinopse, e diretor, além do trailer de cinema, e nove minutos de entrevistas com o elenco, com legendas em português.

“Os Cinco Sentidos” não é um filme de fácil assimilação. É uma visão do mundo “normal” através de uma ótica “anormal”, mostrando situações comuns de uma maneira exacerbada. É como uma colcha de retalhos, aparentemente desconexos, mas que levam à reflexão. Vale à pena assistir, nem que seja para fugir do cotidiano de Hollywood, pelo menos de vez em quando. Experimentem.