Um Instante de Amor

“Um Instante de Amor”

 

Na fabricação em série de filmes hollywoodianos, sempre somos forçados a engolir protagonistas rasos, monocromáticos, faces opostas de uma velha moeda que só inclui o Bem e o Mal, o branco e o preto, o zero ou um, ignorando todas as nuances entre eles. Por isso é uma agradável surpresa ver o filme “Um Instante de Amor” (“Mal de Pierres”, França 2016), da diretora francesa Nicole Garcia, que nos brinda com uma personagem magnífica, vivida pela também magnífica atriz Marion Cotillard.

O filme é baseado no livro Mal di Pietri, da escritora italiana Milena Agus, centrado na história de uma mulher incomum. A jovem Gabrielle (Marion Cotillard) vive sua juventude na região de Provence, após a Segunda Guerra Mundial.

Vivendo numa época e numa sociedade altamente repressora, Gabrielle não consegue ajustar-se naquele mundo. Com um romantismo alimentado pelos livros que o professor empresta, aliado a uma sexualidade reprimida e exacerbada, sufocada pelo conservadorismo do campo e da religião, Gabrielle está constantemente afrontando os limites que a oprimem.

A paixão não correspondida pelo professor, o jeito ousado de falar e agir, o constante estado de guerra com a família a levam à ameaça de internamento em um sanatório. A alternativa oferecida pela mãe é casar-se com José Rabascal (Alex Brendemühl), um refugiado catalão que trabalha na fazenda da família.

Sem opções, Gabrielle decide a situação à sua maneira. Ela procura José e define suas condições: eles casarão, mas nunca haverá sexo, e ela nunca irá amá-lo. Resignado, José aceita as condições, pois seu amor por ela é grande. Ela aceita até que ele procure prostitutas para satisfazer-se.

Os dois mantém uma vida comum, dentro das condições acordadas. Na sua forma peculiar, Gabrielle até experimenta o sexo com José. Mas, disso resulta a descoberta que dá o nome ao livro. Ela é diagnosticada com o “mal das pedras”, cálculos renais, e para isso a solução da época era um internamento em uma estação termal onde a água era o principal remédio para a doença.

A contragosto Gabrielle se sujeita a esta nova provação. Num hotel isolado nas montanhas, ela se entedia enormemente num lugar onde não queria estar, cercada de pessoas que não conhece, e fazendo um tratamento que não a interessa. Seu tédio diminui quando ela conhece Agostine (Aloïse Sauvage), uma jovem arrumadeira que veio da mesma região que ela.

É então que ela conhece André Sauvage (Louis Garrel), um jovem oficial do exército francês que está em tratamento de uma grave doença renal. O isolamento facilita esta inesperada amizade, que para Gabrielle evolui para um amor intenso. Um agravamento da situação dele obriga sua transferência para outro hospital, o que deixa a moça desesperada.

O reencontro permite o momento de amor que Gabrielle tanto desejava, e quando ele se vai novamente, ela guardará deste encontro uma gravidez inesperada e um novo entendimento com o marido, que se mantém em seu silêncio resignado.

Gabrielle escreve incansavelmente para André, mas nunca recebe resposta. Quando as cartas são devolvidas, ela se desespera e tenta suicídio, sendo salva por José. O nascimento do filho faz com que ela transfira este amor não correspondido, e ela vê nele o espelho de André, até mesmo a aptidão para o piano.

Uma viagem que farão para um concurso que o menino, já adolescente, fará em outra cidade, provoca a descoberta de segredos que estão ocultos há tempos, e mudarão maneira de Gabrielle enxergar o seu próprio passado.

Esta é uma história fora do comum, e para viver uma personagem tão rica de facetas extremas, foi importante a escolha de uma atriz igualmente camaleônica como Marion Cotillard. Para quem fez Edith Piaf em várias idades, não seria dificuldade nenhuma repetir o feito no filme atual, praticamente só com algumas mudanças de penteado.

A diretora Nicole ousou no recurso do flashback, já em desuso ultimamente, mas mostrou um bom trabalho na condução dos atores, notadamente Alex Brendemühl, vivendo o contido e resignado marido da protagonista. Louis Garrel, por sua vez, vive um personagem muito diferente dos que está acostumado a fazer.

“Um Instante de Amor” é um filme interessante e diferente do padrão, merecendo ser visto e discutido. Este filme está na programação do Festival Varilux de Cinema Francês 2017, que estreia esta semana em várias cidades brasileiras.

Título Original: “Mal de Pierres”